quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

O que será (à flor da terra)

O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
Que gritam nos mercados, que com certeza
Está na natureza, será que será
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho

O que será que será
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido

O que será que será
Que todos os avisos não vão evitar
Porque todos os risos vão desafiar
Porque todos os sinos irão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E o mesmo Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno, vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo


Música O que será (à flor da terra) de Chico Buarque (1976).


Pode ser ouvida em: O melhor de Chico Buarque
Ano: 2002
Gravadora: Universal Music

Interpretação de Chico Buarque e Milton Nascimento

sábado, 18 de novembro de 2006

O Mercador de Veneza em O Pianista

Se nos picarem, não sangraremos?
Se nos fizerem cócegas, não rimos?
Se nos envenenarem, não morremos?
E, se nos ultrajarem, não nos vingaremos?

Trecho de O Mercador de Veneza, de Shakespeare (Ato III, Cena I) citado no filme "O Pianista".

Ficha Técnica:

Filme
Título original: The Pianist
Origem: Alemanha/Polônia/França - 2002
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Ronald Harwood







Livro
Obra: O Mercador de Veneza (The Merchant of Venice)
Autor: William Shakespeare
Ano Edição: 2005
Editora: Ediouro
No. de Páginas: 166

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Galáxias (I)

e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso
e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa
não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever
mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para
começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é
o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-
páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas
mesmam ensimesmam onde o fim é o comêço onde escrever sobre o escrever
é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo
descomêço desconheço e me teço um livro onde tudo seja fortuito e
forçoso um livro onde tudo seja não esteja um umbigodomundolivro
um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o livro
o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o comêço
e volto e revolto pois na volta recomeço reconheço remeço um livro
é o conteúdo do livro e cada página de um livro é o conteúdo do livro
e cada linha de uma página e cada palavra de uma linha é o conteúdo
da palavra da linha da página do livro um livro ensaia o livro
todo livro é um livro de ensaio de ensaios do livro por isso o fim-
comêço começa e fina recomeça e refina e se afina o fim no funil do
comêço afunila o comêço no fuzil do fim no fim do fim recomeça o
recomêço refina o refino do fum e onde fina começa e se apressa e
regressa e retece há milumaestórias na mínima unha de estória por
isso não conto por isso não canto por isso a nãoestória me desconta
ou me descanta o avesso da estória que pode ser escória que pode
ser cárie que pode ser estória tudo depende da hora tudo depende
da glória tudo depende de embora e nada e néris e reles e nemnada
de nada e nures de néris de reles de ralo de raro e nacos de necas
e nanjas de nullus e nures de nenhures e nesgas de nulla res e
nenhumzinho de nemnada nunca pode ser tudo pode ser todo pode ser total
tudossomado todo somassuma de tudo suma somatória do assomo do assombro
e aqui me meço e começo e me projeto eco do comêço eco do eco de um
começo em eco no soco de um comêço em eco no oco de um soco
no osso e aqui ou além ou aquém ou láacolá ou em toda parte ou em
nenhuma parte ou mais além ou menos aquém ou mais adiante ou menos atrás
ou avante ou paravante ou à ré ou a raso ou a rés começo re começo
rés começo raso começo que a unha-de-fome da estória não me come
não me consome não me doma não me redoma pois no osso do comêço só
conheço o osso o osso buço do comêço a bossa do comêço onde é viagem
onde a viagem é maravilha de tornaviagem é tornassol viagem de maravilha
onde a migalha a maravilha a apara é maravilha é vanilla é vigília
é cintila de centelha é favilha de fábula é lumínula de nada e descanto
a fábula e desconto as fadas e conto as favas pois começo a fala

* Trecho do poema Galáxias de Haroldo de Campos *

Título do poema: ‘Galáxias’
Livro: Haroldo de Campos – Coleção Melhores Poemas
Seleção: Inês Oseki-Dépré
Ano: 2000
Editora: Global


Omar Khayyam I



















"Debaixo de um arbusto, um pão e uma garrafa
De vinho e meus poemas: tudo o que preciso -
E tu, que do meu lado cantas no deserto,
E o deserto se torna, então, o paraíso".
(Omar Khayyam)

Omar Khayyam - poeta persa que pertenceu à época de ouro da civilização islâmica (séculos XI e XII).

Sugestão de declamação do poema:
CD: Poemas Místicos do Oriente
Artista: Marcus Viana
Música: Marcus Viana
Voz: Letícia Sabatella
Ano: 2003
Gravadora: Sonhos e Sons

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

O menino no espelho

"Uma noite tive um sonho maravilhoso: sonhei que sabia voar. Bastava movimentar os braços, mãos abertas ao lado do corpo fazendo círculos no ar, e eu me descolava do chão como um passarinho, saía voando por cima das casas e pelos campos sem fim. Durante vários dias aquele sonho não me saiu da cabeça.
Acabei cismando que poderia torná-lo realidade. Ia para o fundo do quintal e, longe da vista dos outros, ficava horas seguidas ensaiando meu vôo. Mexia com as mãos, sem parar, como fizera no sonho, e nada. Eu sabia que não era uma questão de força, mas de conseguir estabelecer, com o movimento harmonioso das mãos, um misterioso equilíbrio entre o meu peso e o peso do ar. Como se estivesse dentro d'água e quisesse me manter à tona: qualquer gesto mais forte ou afobado e eu me afundava."

Trecho do capítulo III "Como deixei de voar" do livro "O Menino no Espelho" de Fernando Sabino.

Obra: "O menino no espelho"
Autor: Fernando Sabino
Ano: 1982
Editora: Record
No. de páginas: 196